segunda-feira, 22 de agosto de 2016

Americanah

Terminar um livro é como o fim de um relacionamento, seja ele amoroso/sexual ou amoroso/fraternal. Você pode reconstruir no pensamento tudo o que viveu no passado mas não saberá o que estaria sendo; o presente, as descobertas, o desenrolar da história.

Nesta manhã preguiçosa de segunda-feira estou vivendo aquele luto pelo fim da história/relação. Já sinto uma falta cortante de Ifemelu, como sentiria eu falta de mim mesma – caso me fosse negada essa convivência – ou uma grande amiga que os caminhos da vida levaram para longe e que caminhou para um contato raro e frio. Ela, Ifemelu, me fez reviver algumas passagens de minha vida que me pareceram similares aos seus, como o banzo provocado pela distância das suas raízes – mesmo que minha distância de “casa” seja infinitamente menor.

Me vi festiva torcendo pelo seu sucesso no seu retorno à Lagos, o (re)encontro com as coisas que lhe são importantes, que lhe movem, que lhe afetam.

A minha sensação é que Chimamanda é minha amiga que está deitada no chão da sala ao meu lado enquanto conta coisas da sua vida; que vai da gargalhada ao choro a depender de que parte me conta da sua história. A imagem genuína de cumplicidade.

Escrevendo isso eu sinto que jamais conseguirei transformar em linguagem escrita o que ela me proporcionou nesses dias. Da riqueza desse livro, inclusive culturalmente falando, pela viagens continentais ao retratar três países tão diferentes que nem mesmo a língua é capaz de criar uma espécie de confluência.

Para mim ele se tornará tema único nas próximas semanas. Só serei capaz de viver a partir da sua perspectiva. Nem sei como farei para conseguir trabalhar minimamente.

Quando comecei a fazer os percursos de leitura foi numa tentativa de trazer os pontos de maior relevância que encontrei no decorrer da leitura. Hoje não me sinto capaz de dar o devido valor aos inúmeros temas importantes e fundamentais para construir a história. Talvez outro dia, talvez numa próxima leitura. Ao fim, quando a cortina desce, fica a facilidade de ser tomada só pela emoção e de mergulhar naquilo sem se dar conta de como cada fala me afetou. Depois que a emoção vai baixando, vai se tornando mais distante, a linguagem consegue se manifestar e traçar uma linha elencando os fatos, neste caso: os pontos de tensão da história.


Fico hoje com a emoção transbordando. Cheia dessa poesia cotidiana, esse olhar atento para a beleza. E com uma imensa gratidão à literatura por não me deixar ser levada pelo cotidiano sem reflexão, embrutecida sem conseguir enxergar a beleza, sem conseguir me comover diante da brutalidade do mundo. Porque nos faz exercitar o nosso estado de empatia, de viver a vida de outras pessoas com diferentes roupagens de classe, de raça, de nacionalidade, etc.

quinta-feira, 18 de agosto de 2016

Americanah: Percursos de Leitura_3

O debate mais importante do livro é a questão do racismo. O tema passa ser central após a chegada de Ifemelu aos EUA. Nesse momento ela se depara com a questão da raça, ela passa a ter uma cor, e dentro da sociedade norte americana essa cor está no degrau mais baixo. Ela percebe mas não externaliza isso, só nas reuniões com o grupo de alunos africanos, onde fica claro que há uma distinção no fato de ser uma negra/o africana/o ou ser um afro-americana/o. Seria uma hierarquia de negritude? A questão do racismo passa a ser central principalmente após a criação do blog. Este espaço será o primeiro onde colocará as impressões sobre a sociedade americana. Situações que já marcavam o livro anteriormente como no caso de sua Tia Uju, em que a chegada aos EUA tinha afetado drasticamente a sua autoestima: médica, gozando de uma boa condição econômico-financeira, se vê obrigada a deixar a Nigéria após a morte do amante general. Para a obtenção da licença para trabalhar como médica passa por um doloroso percurso de rotina tripla/quadrupla já que tem um filho pequeno e precisa trabalhar para reproduzir-se materialmente. Essa situação fará Tia Uju se submeter, baixar a cabeça, tentar se inserir de uma forma a ser minimamente notada e mesmo assim passará por situações de discriminações absurdas: como a negativa de pacientes em serem atendidos por ela, para ficar em apenas um exemplo.

Claro que o debate se intensifica quando Ifemelu passa a namorar um rapaz afro-americano e a partilhar do seu universo. Não é que quando namorava o cara branco ela não percebia o racismo, percebia mas não encontrava um ambiente propicio de troca de experiências. Isso só se tornou possível após o blog e o namoro com Blaine.


O que ficou claro no livro é como o racismo estrutural é muito parecido no Brasil e EUA, infelizmente. Nossa sociedade é tão racista quanto a americana e tentamos negar isso o tempo todo.


quarta-feira, 17 de agosto de 2016

Americanah: Percursos de Leitura_2

Estou completamente tomada, encharcada pelo livro Americanah! Não sei se saberei explicar o tamanho da empatia. A minha vontade é passar o dia inteiro na cama lendo, me emocionando, vivendo a vida daqueles personagens.

As resenhas do livro que li, no período do seu lançamento, não é nem de longe a melhor maneira de descrever o que de fato é o livro. É muito simplista focar no romance de Ifemelu e Obinze. É a história de amor entre os dois, é. Mas é muito mais que isso. São os caminhos dessas vidas, do encontro ao desencontro. Das primeiras experiências na adolescência aos caminhos cheios de espinhos que levam a vida adulta.


É sobre amor, desamor, pertencimento, ausências, racismo, banzo, machismo, submissão, empoderamento.  


terça-feira, 16 de agosto de 2016

Americanah: Percursos de Leitura_1

Quais são os caminhos que desembocam na depressão? Muitas vezes não reconhecemos mas Chamamanda desvenda esse caminho que atravessou a vida de Ifemelu, sua personagem principal em Americanah (último livro da escritora). E o fez sem vitimismo, ou autopiedade. Mas corta, e eu, daqui do meu quarto pude sentir aquela dor, que abre o peito, expõe as vísceras. 

Após várias tentativas frustradas de conseguir um emprego para bancar a sua estadia nos EUA, Ifemelu, num ato de desespero, se submete a um trabalho que vai contra seus valores e com as percepções de dignidade. Esse é o gatilho, desencadeando o processo depressivo, o aprisionamento do corpo à cama, o isolamento social aprofundando sua insegurança. 

Não lembro a última vez que um livro tenha me emocionado tanto, e ainda nem cheguei na metade do livro.  

sábado, 7 de novembro de 2015

Para Vovó Lourdes

Hoje é um dia de dor. É aquele dia que a vida lembra a gente que ela é finita. Que a passagem na terra chega ao fim.

Sei que existia uma abismo geracional, intelectual imenso entre nós. Sou filha da sua filha, sua neta. A primeira mulher da minha geração. Não sei se isso fazia diferença pra senhora que achava todos os netos lindos.

Não conseguirei escrever esse texto...


Talvez eu nunca consiga expressar em palavras o que minha avó Lourdes significa pra mim. Acho que esse afeto não é verbalizável. Espero que tenha conseguido demonstrar enquanto ela esteve por aqui.

Foto: Cláudia Kiya
Ela fazendo suas colchas de retalhos...

terça-feira, 3 de novembro de 2015

Carta aos amigos baianos!

Brasília, Novembro de 2015.

Quando a gente vai viver fora da Bahia e tem que se adaptar a outro clima tão diverso, que não conhece o termo ameno, sempre frio ou quente demais, e sem umidade em grande parte do ano, você fica sonhando com o calor litorâneo, com a vida daquela cidade...
Ainda bem, que mesmo aqui, existem os reencontros através da Cultura. É bom ser agraciada, vez ou outra, com uma atração da Bahia, elas sempre colorem o coração. E se falarem diretamente com as tradições, que estão tão fortes e latentes nas ladeiras da Cidade de Salvador, aí é que o coração se enche de mais felicidade. Num misto de emoções que fazem ir do riso ao choro num décimo de segundos.

*Fotos: Anne Vilela
Foi assim que me senti ao ir pro show do Ilê Aiyê na última sexta-feira, nas Praças dos Orixás, na beira do lago Paranoá. O show fez parte do Festival Abre Caminhos. Quantos símbolos! Festival em comemoração à herança dos sons de terreiro presentes no samba. Nada de fastfoods. Comida vendida era comida de terreiro: acarajé, abará, caruru, entre outras... Sem falar nesse recado mais que certeiro para o Congresso Nacional de respeito e tolerância ao povo de santo.


No mais, por aqui começou a chover. O calor deixou de ser insuportável, voltamos a ter friozinho. Melhor assim... Fico por aqui. São poucas as notícias do Cerrado Central.

terça-feira, 16 de junho de 2015

Reflexões sobre o Feminicídio

 Jorram vozes no meu ouvido. Vozes de mulheres. Adultas, adolescentes, crianças. Vozes que querem falar de um modo de vida, da sua história, das suas lembranças, das suas relações, da família, da/o companheira/o. Do singular e do plural.
Há outras vozes, que nos permitem novas reflexões.
Elas chegaram sem nem mesmo saber que estavam chegando. Elas chegaram e nem mesmo chegaram fisicamente. Foram transformadas. Em estatística, em siglas... Fazem o uso da mediação de corpos militantes.

Falar
Sinto que as mulheres estão sempre sensíveis e dispostas a falar, discutir e compartilhar questões de gênero. Principalmente, se há violência envolvida. Sempre tem a história de uma amiga, da mãe, da avó, da vizinha, do viral na internet, ou a sua própria história (sendo relatada ou não na primeira pessoa). Há uma crença na nossa sociedade de que a dita igualdade que a Constituição Federal fala em seu artigo 5º, é real no cotidiano de mulheres e de outras minorias. Para quem tem dúvida sugiro fazer uma escuta “atenta e humanizada” dos casos. Ou simplesmente se perguntar? Por que as mulheres (aqui também pode se inserir qualquer grupo minoritário) tem tanta necessidade de falar sobre a sua constituição histórica? Ou por que tantas mulheres precisam contar a sua história de violência?!
Na época da promulgação da lei do Feminicídio no início de 2015, acompanhei muito de longe os comentários e as discussões. Primeiro, porque de tempos em tempos tenho necessidade de Detox das discussões militantes; fico sensível a tudo e acabo ficando muito deprimida e desesperançada com alguns movimentos conservadores. Segundo, porque era uma alteração no Código Penal, tipificando o assassinato de mulheres como crime hediondo. Achei positivo mas por outro lado ficava pensando que era mais uma vez uma lei. As leis teriam a força de mudar o machismo enraizada na nossa sociedade? E a lei Maria da Penha, que tenta combater em vários aspectos a nossa cultura de violência gênero? Não tem funcionado?

Despertar
Há duas semanas participei de um Seminário sobre tema, cujo título era: Determinação social e o enfrentamento da violência contra as mulheres no contexto da Lei do Feminicídio. Estava resistente.
Nesses dias vivi uma imersão na discussão. Uma boa imersão, que floresceu novos questionamentos a partir das discussões feitas.

Parênteses: este texto é uma tentativa de elaborar as discussões que tive a partir das minhas leituras anteriores. É um exercício, antes de tudo, que tento fazer com alguma frequência. Talvez eu consiga, talvez só chegue até metade do caminho. Tenho muita dificuldade em elaborar textos em cima das falas de outros. Fecha parênteses.

Gosto das contextualizações históricas. Sempre que se fala, se fala a partir de um tempo e de um lugar. Por mais que se tente universalizar as histórias, como Betty Milan1 costuma fazer, para criar uma empatia entre quem produz e quem lê. Isso para dizer: não se fala em opressão de gênero hoje, apenas pelo hoje. Se fala, principalmente, pelo caminho que foi percorrido até aqui. Com muitas vitórias, de certo, mas com muitas batalhas ainda para ganhar.

Feminicídio
Falar em feminicídio, é falar em uma epidemia, em algumas regiões do país. É falar de uma cultura de violência. É falar de uma sociedade patriarcal onde a mulher ainda é encarada como objeto. Falar de um sistema de regulação de corpos. É falar da sexualidade vigiada das mulheres. É falar de reserva de espaços público e privado a partir da representação de gênero.
Para começar uma conversa sobre o feminicídio temos que ter em mente que o reconhecimento da lutas das mulheres não começa com promulgação da lei. Pelo contrário, o movimento sofre uma derrota com a promulgação. Na redação da lei saiu a palavra gênero e ficou “sexo feminino” (“contra a mulher por razões da condição de sexo feminino”). E as pessoas trans?
Sendo que:
Considera-se que há razões de condição de sexo feminino quando o crime envolve:
I - violência doméstica e familiar;
II - menosprezo ou discriminação à condição de mulher.”
Quando um prostituta é morta, ela entra nas estatísticas de feminicídio? É uma mulher, sendo morta por discriminação à sua condição. Mas, como é tratada pelos órgãos oficiais?!
Não acho que a questão da violência de gênero se resolva com a assinatura de uma lei. E tenho minhas dúvidas que funcione como um processo educativo.
A lei do Feminicídio trata da morte de mulheres. Não queremos que mulheres sejam mortas por suas/seus companheiras/companheiros. Queremos que as mulheres sejam respeitadas e tenha liberdade de fazer as suas escolhas, e que o estado garanta as oportunidades.
Quando, em 2006, foi a promulgada a Lei Maria da Penha achei que era um avanço no reconhecimento da desigualdade de gênero, um reconhecimento institucional do que mulheres vivem cotidianamente. Não só a violência física mas as muitas nuances de violências.
É importante termos em mente que a nossa sociedade é uma sociedade violenta, não só pelo números de mortes violentas e da violência urbana. Somos violento no nosso dia a dia, na palmada no filho, na grosseria com o colega de trabalho, no trânsito a cada ultrapassagem. Nas nossas músicas infantis; basta lembrar de “atirei o pau no gato”.
Muitas vezes reproduzimos comportamento violento sem nos darmos conta. É sempre  bom lembrar.

Encerrando a conversa
Eu sei que abri muitas questões. Porém meu esforço há muito foi excedido.
Têm muitas discussões a serem feitas. No âmbito do Direito, da Sociologia, da Saúde. Há muitas pesquisas sendo realizadas dentro e fora das Universidades.
O que quero ter em mente é do exercício diário de uma militância. Da importância das leituras, das atualizações. Da escrita crítica. Do processo de racionalização do conhecimento. Da tentativa solitária de fazer pensar, de sociologizar a vida.

Seguem algumas referências:
Acessado em: 09/06/2015


1Psicanalista brasileira escreveu: “Aprendi com o trabalho que, seja qual for a história, nós podemos nos reconhecer nela, porque a escuta humaniza. Quando escutado, o drama do outro pode se tornar meu. Tiro dele ensinamentos preciosos.” p. 12